Em épocas onde a bruxaria e a tortura da igreja católica sobre aqueles agricultores sujos era uma coisa normal, porém, aterrorizante, nasceu um pequeno garoto em um vilarejo próximo ao tal local que assustava as pessoas e as trazia glórias divinas.
Assim como muitas famílias da época, ele tinha um vasto aglomerado de irmãos, chegando ao total de vinte e ele era o décimo quarto daquela linhagem de filhos de carrasco.
O pai de todos tinha um emprego estressante e muitas vezes passava o semanas fora de casa por causa de seu emprego e quando aparecia, era só para gerar um novo filho e descontar todo o tempo da qual ficou tenso naqueles locais de dor a propagando cada vez mais. Era um homem severo por causa de seu emprego, portanto, era intimidador e muito conhecido na cidade.
A mãe, por sua vez, era uma mulher carinhosa, que entendia completamente os problemas que o marido passava e justamente por esse motivo sempre foi tão submissa a ele e cuidava das crianças como se fossem apenas uma. Nunca deu preferência para uma em especial e fazia possível para educá-las como fossem, porém, por causa da quantidade de filhos, ela estava muito debilitada e passava maior parte de seu tempo em cima de uma cama repousando.
Era uma criança com problemas também. Nasceu cego, só havia o escuro em seu mundo e os sons o incomodavam, portanto, era o que mais passava seu tempo em casa com a mãe ajudando-a a cuidar dos irmãos. Quando algum mais novo se machucava ou chorava, ele se desesperava, pois não conseguia ver e acabava por entrar em pânico também, levando-o a deixar o seu familiar aos berros enquanto a mãe lentamente se movia para retirar o empecilho imposto pelo filho mais inútil.
Quando o pai estava em casa, aquele homem robusto não conseguia dar atenção para os filhos, pois já tinha que agüentar o som dos condenados e ter que ouvir mais os gritos das crianças era algo que ele não admitia, portanto, foram ensinados a quando o pai estiver em casa, todos ficarem parados como estátuas e deixar o homem fazer o que quisesse. A única vez que ele deixou um filho chorar, foi quando ele surrou a pontapés Ignace e o deixou ali chorando enquanto aproveitava do problema do filho para poder ter um pouco de prazer sexual, traumatizando o pequeno e o deixando mais calado a partir daquele dia.
Viviam assim, com algumas regras entre si (para um convívio melhor) e com um pai ausente totalmente sem paciência, mas o garoto aprendeu a ser mais forte e agüentar os problemas dele sem interferir nos dos outros e procriar maiores a partir disso. Mas era um estilo de vida da qual ele não agüentava. Não enxergar e ter que ficar parado em um canto qualquer da casa quando ouvia os fortes passos do pai que deixava seu coração temeroso era os piores momentos do mês da qual ele passava.
Em um certo dia, enquanto a mãe tentava fazer ele se acalmar e dois irmãos dormirem, ela contou a história de como conheceu o pai deles. Era um homem alto e forte, muito religioso que gostava de comprar algumas coisa da cidade para ajudar a população da cidade onde vivia e talvez assim, a igreja ganhar mais fiéis (que não fosse na base da força). Mas um dia, ele foi convocado para um combate e lá, ele foi como um herói, matando os inimigos sem ao menos pensar duas vezes e tinha tal conhecimento no corpo humano que ajudou seus companheiros feridos. Era o combatente e médico ao mesmo tempo e isso chamou atenção de muitos, mas quem teve preferência foi a igreja que logo o nomeou como o carrasco da cidade, fazendo ele ganhar certos bens a mais e isso o felicitou. Estava tão feliz que foi comprar muitas coisas na cidade para fazer uma festa de celebração com os companheiros e numa loja, ele conheceu uma mulher linda.
Interrompeu a história pois dois de seus filhos já dormiam e Ignace estava muito calado, de tal forma que ela não conseguia dizer se estava dormindo também (não queria atrapalhar o sono dele, portanto, nada falou) ou apenas prestando atenção na voz dela. Alguns segundos se passaram até o garoto, meio desesperado começasse a perguntar por sua mãe que aparentemente “sumiu” e ela o abraçou para que o reconfortasse e assim, meio sem jeito pediu para que ele a levasse em direção a sala, onde ela contaria o resto da história. E assim fez o pequeno que ajudava no sustento da mãe e ela o guiava.
Já na sala, ela senta-se com Ignace no sofá enquanto os outros irmãos brincavam lá fora e outros cuidavam dos mais novos, deixando-os completamente a vontade e sozinhos para que ela terminasse de contar a história de sua vida com aquele homem.
Pigarreou um pouco e tossiu violentamente logo em seguida de tal forma que o garoto se assustou novamente, mas ela o reconfortou mais uma vez acariciando os cabelos dele e então voltou a falar.
A tal mulher linda, como o pequeno já tinha idéia, era sua mãe - e ele esboçou um sorriso ao ouvir ela se elogiando – e seu pai tinha ido muito em tempos de estratégia para pegar suprimentos naquele local, mas nunca tinha a visto. Logo ele comprou todas as coisas que necessitava e agradeceu gentilmente a tal mulher e depois, observando-a após uns momentos, a deixou. Dizia ela que pensou muito nele, pois nunca nenhum homem a tinha tratado daquela forma e ele era muito bonito, mas ela se sentia meio ridícula pelo fato de ter ficado tão feliz por todas as compras do homem que em breve se tornaria o marido dela. O pai dela a aconselhou a falar para ele sobre casamento e ela sem jeito não sabia como o fazer, já que ainda nem completara os vinte anos e não tiveram muitos contatos.
Parecia feliz em contar e assim prosseguiu, deixando o garoto um pouco maravilhado. O novo carrasco da cidade começou a freqüentar muito aquele estabelecimento até uma noite em que a mulher resolve abrir seu coração para ele onde a aceitou com muita felicidade.
Os pensamentos dela vagavam nos momentos de sexo entre os dois após a declaração, mas não podia contar isso ao filho, portanto, amenizou pulando diretamente para o casamento.
Seguia falando ela, que no dia do casamento, ocorreu uma forte chuva que deixou o local com um ar gélido, apesar de todas as pessoas perante a igreja e lá, eles comemoraram e logo foram para casa. Mas tão rápido como foi o casamento, rápido foi para que aquele carrasco começasse a se tornar mais frio e aparecer menos em casa – acreditava ela que ele não tinha amantes, mas era impossível passar tanto tempo com a tensão recebida pelo dia-a-dia apesar de já ter se acostumado com aquilo tudo – onde ele começaria, assim, a se tornar mais calado.
Ignace sabia que sua mãe estava amenizando para o lado do pai, pois ele era um homem completamente frio e agressivo que não dava o mínimo de atenção para os filhos. Mas não teve muito tempo para pensar e refletir sobre aquilo, pois sua mãe o abraçou e encostou os lábios na testa dele, deixando-o meio confuso até que sentiu um pingo quente passar sobre seu rosto. Ela estava relembrando tudo e vendo como era apaixonada pelo carrasco. Sem saber o que fazer, apenas retribuiu o abraço para “encorajar” sua mãe.
Outro acontecimento memorável na vida do pequeno foi quando ele estava cuidando de uma irmã e a pequena acabou por sair de casa sem que ele percebesse enquanto ele cuidava dela, deixando-o assim completamente perdido e foi atrás da irmã.
Ela era uma garota travessa, que corria na ponta dos pés, colocando todo o peso de seu corpo no tronco e dando passos leves e depois trocando o peso para o outro pé, fazendo assim o garoto não a ouvir, mas de vez em quando ela soltava umas risadinhas para que ele a localizasse e pudesse enfim a pegar. Mas não conseguia, ela dava um pulo rápido para trás, ou apenas colocava o braço para o lado para que ele sentisse a movimentação do vento e tentasse pegá-la, sendo que ela tinha contornado ele na verdade.
“Brincaram” assim até os limites de cidade e a garota, curiosa que era, resolveu adentrar no mato com o irmão, que se batia quase que o tempo todo em alguma árvore ou tropeçava em raízes.
Isso se prosseguiu por um bom tempo até que a noite caiu e eles estavam, ambos perdidos. Não tinham como perguntar para as pessoas na redondeza, pois essas não os conheciam como filho do carrasco, pois o cego sempre estava em casa e a garota normalmente estava de castigo por causa de ser comportamento desobediente.
Estavam caminhando aleatoriamente em busca de algum abrigo ou um conhecido. Já no vilarejo central, onde eles moravam, o carrasco e a mãe foram informados. Nessa época, a mãe deles não podia sair da cama pelo seu corpo que definhava por dentro a cada aparecimento do homem na casa. O pai, irado, reuniu grupos enormes de busca entre os fiéis e os próprios homens da igreja e foram atrás das crianças, já temendo o pior (por causa do cargo do pai, alguém poderia querer se vingar matando os filhos). Não foi um gesto de carinho, mas sim, de egoísmo, ele não suportava a desordem, portanto, teriam um castigo extremamente severo quando retornassem.
No mato onde se localizavam os irmãos, a garota segurava na mão do cego para que se sentisse mais protegida enquanto na cabeça dele, pensava que era para guiá-lo no ambiente onde nunca esteve e não tinha o mínimo de familiaridade (no local onde morava existia poucas árvores e passava maior parte de seu tempo em casa).
Acabaram por achar uma cachoeira, que fazia um barulho tão abominável nos ouvidos de Ignace que ele começou a gritar, fazendo sua irmã colocar a mão na boca dele para que se calasse, mas isso só o assustou mais, pois se sentia agora sufocado e mordeu com força a mão da garota que no ato de retirar, o dente do garoto dilacerou a pele dela e abriu um corte não profundo que sangrou muito e deixou um gosto estranho na boca dele que logo cuspia e tentava correr.
Não sabia como acalmar o menino em pânico e acabou por se sentir assustada também, apesar de aparentar uma postura extremamente mais madura até o momento pois adentrou na floresta sem medo e estavam sozinhos, mas possivelmente isso nem passou pela cabeça dela.
O menino correu muito no meio da floresta enquanto sua irmã afundou a mão na água em busca daquele sangue parar que jorrar pela ferida causada pelos dentes do irmão sem ao menos se preocupar com onde ele estava.
Se batia, escorregava, tropeçava, mas o pânico não saia de seu coração e a adrenalina corria em seu sangue, que não o deixava parar e sempre seguia em frente em busca de ajuda.
As folhas que tocavam em seu corpo pareciam dedos, mas era impossível ter qualquer tipo de pessoa por aquele local, o que o apavorou mais. Quando caia, se sentia abatido, sem como conseguir, e muitas vezes se arrastou até retomar a “movimentação” das pernas. Quando se batia, se cortava e alguns de seus dentes foram perdidos durante sua caçada em busca da salvação.
Em um momento, parecia que não estava mais na mata, pois corria normalmente em terra firma, sem tropeçar ou se bater. Começou a se acalmar até que uma criatura se agarrou nele e o jogou para longe. Um lobo. Talvez um que tenha perdido a batalha para ser o macho Alpha e acabou por andar sozinho e precisava se alimentar e uma presa cega e cansada seria fácil demais e o risco dele se machucar novamente seria quase que nulo, visto que o garoto nem ao menos tinha com o que se defender.
Chorava alto e tentava correr, mas o animal o mordeu no ombro e o jogou no chão enquanto permanecia abocanhando e rasgando sua pele com suas garras para que o menino enfim parasse de se mover e poder saborear um pouco de carne. Mas o que aconteceu foi como um milagre dos infernos. Um corpo maior ainda, que pisoteou seu corpo quase sem vida pulou sobre o lobo e pode-se ouvir uivos de dor enquanto um som pesado de madeira era ouvido pelo menino deitado na poça de seu próprio sangue.
Foi pego pela perna e ajeitado num grande ombro como se fosse um pedaço de porco recém abatido e levado para o vilarejo, onde desmaiou no meio do caminho pelo balanço do andar de seu pai e do que recém tinha sofrido.
No vilarejo já, ele colocou o garoto entre seus grandes braços e o levou como se estivesse sendo carregado com carinho desde que foi achado. Os médicos da região fizeram o que era possível para reanimar o garoto até que foi dado como morto. Mas não era isso que seu pensava. Não tinha conhecimento de medicina, mas os anos que passou em seu trabalho, fez com que reconhecesse quando uma pessoa estava realmente morta e então, ele pegou uma faca e começou a cutucar o rosto do menino na frente de todos.
Muitos pensavam que ele enlouqueceu por ter sua criança morta, mas ele estava fazendo o que os médicos não fizeram, estava conferindo se realmente estava morto usando os reflexos do corpo. Isso era algo fundamental, mas aqueles homens com conhecimento em sua área sabiam que um corpo naquele estado não tinha como resistir a mais muito tempo caso realmente ainda permanecesse vivo.
Algo inesperado aconteceu, movimentou a bochecha e soltou um som oco de ar sendo expelido pela boca e assim o homem foi dado como herói novamente, guardando sua faca em sua grande bainha, decorada em couro e jóias, no bolso e levando o pequeno para sua casa.
Assim que acordou, estava todo enfaixado e com um dos braços amarrados fortemente a um pedaço de pau e qualquer mínimo movimento doía. Sua mãe estava sentada ao lado dele, fazendo o esforço de não ficar na cama e provavelmente sentindo muita dor. Ela cedeu o espaço que ela tinha para repousar para o garoto e ficou ali para cuidar dele que logo começou a chorar de arrependimento por ser quem era.
Aterrorizada, a mulher chora também e abafa o que ele pronunciava para dizer que a irmã dele morreu. Aquilo foi um choque e após longos minutos de choro da mulher, ela falou que aparentemente uma alcatéia de lobos passava naquela noite e achou a menina, que foi feita em pedaços e quando o grupo que os procuravam chegou, os animais estavam abrindo-a e só se pode ouvir seus gritos agonizantes que diminuíam gradativamente.
Não falou, nem fez muita coisa além de comer e sentar por longos seis anos, quando sua mãe finalmente morre dos problemas que tinha internamente e forçando aquele garoto cego e deformado a chorar e pedir desculpas por uma tarde inteira até cair por exaustão de seu corpo jovial.
A vida após esse incidente virou um caos completo. Os filhos se separaram, indo para casas diferentes já que o pai que permanecia vivo não tinha como dar atenção a eles direito e poucas eram as famílias que puderam aceitar uma criança que fosse para não abandoná-las.
Sem saber o que fazer ou para onde ir, buscou o auxilio da igreja para que cuidassem dele, já tinha quase vinte anos e era um homem que podia aprender a trabalhar em algo e viver sozinho nas condições em que se encontrava era impossível e mesmo assim, foi negado seu pedido para viver a base de trabalho.
Assim que saia, seu pai apareceu e o convida para ir ao subsolo da igreja, pois se o que ele queria era uma ocupação, ele tinha uma para Ignace. Não teria nunca mais que se preocupar com viver na base dos outros e agora, teria alguém para conviver com ele naquele local fedorento.
Logo que um barulho de porta rangente foi ouvido e pingos gotejantes que batiam em algo metálico foram ouvidos, ele engoliu todo o seu medo e resolveu seguir o homem que diz ter achado uma saída para ele. A tortura humana.
Um homem gritava e aparentemente, estava deitado em alguma coisa de madeira. Ele pedia ajuda e o nada pode ser feito para ajudá-lo. Seu pai pegou uma ferramenta de metal grosso com alguns pedaços em madeira que se fechavam facilmente e tinham um peso enorme. Era um Esmaga-Polegar e aquele instrumento parecia enferrujado pois causava uma sensação ruim no toque e seu pai fez questão de desamarrar as mãos do condenado e ajudasse o filho a colocar na mão da pessoa. O movimento era fácil, apenas empurrar uma pequena alavanca e usar um pouco de força se necessário até que a pessoa liberou um grito agudo de dor e um líquido quente foi sentido passando nos dedos daquele aprendiz de carrasco enquanto podia-se ouvir o som semelhante ao que se faz quando se quebra um galho seco.
Ficou eufórico e não sabia como fazer aquele homem parar de gritar e então largou o objeto que o fez pesar e bater com força o cotovelo do homem até quase quebrar na ponta da mesa onde permanecia deitado e agora com o polegar arrebentado. Seu pai ria muito da situação.
Retirou do dedo dele e o amarrou de novo entre suspiros de dor e choros o estapeou para que mordesse a bochecha internamente para segurar a dor da perda de seu polegar perdido. Pegou o filho que não sabia o que faze e o levou novamente lá para cima e explicou que aquela era uma tortura pequena comparada aos outros instrumentos que poderiam ser usados dependendo do que o padre te mandasse fazer, mas as vezes era possível usufruir de uma certa liberdade sem que o homem santo soubesse, como recém ocorrera. Achou ótimo que ele não vomitou, portanto, poderia ser um ótimo carrasco, pois até ele mesmo em seus primeiros dias, sentiu ânsia e vomitou pelo local mesmo até que aprendesse que poderia fazer isso no condenado.
O jovem Guillotin achou aquilo muito cruel, imaginava que as torturas eram diferentes, que era apenas fazer um corte profundo e deixar a pessoa morrer em menos de uma hora, mas não, era algo muito mais lento e doloroso, como a perda de um dedo e permanecer vivo.
Dado o prazo de um mês para se acostumar, caso não o fizesse, iria ser torturado até a morte por ter visto o trabalho do carrasco sem permissão do padre. E quem o faria seria o próprio pai.
Seu medo cresceu, sabia que o homem que o deu a vida certamente não teria receio algum de encravar na pele qualquer tipo de equipamento de dor. Sabia que se não se acostumasse, iria ser punido por, incrivelmente, sua deficiência. Talvez se enxergasse, nunca teria entrado naquele local assustador por livre e espontânea vontade.
Não era uma pessoa cruel, tinha receio de muita coisa e acima de tudo, não sabia exatamente o que fazia e os riscos dele se machucar com os equipamentos do local eram realmente muito grandes. Podia esbarrar e se machucar numa dama de ferro e logo após não saber aonde ir. Ou pior, ficar preso ali.
Correu para o lado de fora, tombando diversas vezes nos degraus e fazendo seu velho pai rir com aquela cena ridícula, e em meio a risadas, um choro baixo e soluços de dor vindos do homem deitado e fortemente amarrado, sofrendo ainda pelas ações do leigo rapaz.
Assim que se viu tateando no amplo salão de entrada da igreja, tocou num manto comprido de uma seda gostosa de tocar e então ouviu uma voz imponente o perguntando o que estava a fazer naquele local com o rosto marejado em lágrimas e tão trêmulo, como se recém tivesse passado por uma experiência ruim, e como se desconhecesse o subsolo de sua igreja, o homem, tentando retirar informações que o incriminassem, perguntou de onde ele veio.
Gaguejou por uns momentos enquanto milhões de pensamentos passavam por sua mente, procurando uma desculpa que não o fizesse morrer. Sua vida dependia de apenas uma resposta.
Para o homem, nada aparentou, pois ele só aparentava permanecer assustado com alguma coisa até que ouviu sua resposta. Tinha falado com uma besta. Uma grande besta acinzentada que provavelmente era o demônio e então, chorando, mas agora, mentindo, pediu ajuda do homem que o levou para ao encontro do padre que, visto que ele não enxergava e podia se comunicar com uma besta foi condenado por bruxaria e satanismo, e foi levado a força para ser torturado pelo carrasco.
Visto quando chegaram, que era o filho de um dos homens mais importantes da cidade, os clérigos se assustaram e pediram perdão pelo que fizeram e que já iam soltá-lo. Como se as acusações fossem apenas um xingamento que poderia ser perdoado por um momento. Mas seu pai não o perdoou.
Largaram-no ali e o homem sacou um chicote e logo deu no rosto do filho. Aqueles que o trouxeram saíram rapidamente do local com medo da ira daquele homem insensível que combatia com crueldade até mesmo o próprio filho sem ao menos derrubar uma lágrima de simpatia que fosse.
Um corte foi feito em sua bochecha e este começou a gritar contra o pai que o deu outra chicotada que o silenciou.
Assim que acordou, momentos depois, estava nu e com pesos grudados em seus braços com inúmeras facas amarradas de tal modo que se os seus braços cedessem ao peso ou ao cansaço, seu corpo seria perfurado na região das costelas e cintura. Aquilo era doentio. Grilhões se soltaram e ele agora estava a própria força e sorte para agüentar os pesos durante sua estadia naquela prisão fedorenta e atormentadora.
Escorou-se na parede para ter mais sustento, mas aos poucos seus braços iam descendo e o peso fazia com que o mínimo movimento para baixo já desabassem, fazendo assim, com que diversas vezes sua vida fosse tomada por sua baixa resistência física. Não tinha como alguém normal suportar por mais tempo.
Tentou se deitar para não ser mais atormentado por aquilo, mas o chão era frio e as pedras pontiagudas machucavam seu corpo nu e sabia que seria difícil se levantar naquela mesma posição depois, fazendo assim, a idéia ser descartada rapidamente e sem pensar duas vezes.
Estava quase enlouquecendo com aquilo e seus braços já estavam roxos e com os músculos fadigados quando seu pai adentrou e retirou as amarras, deixando as lâminas e os pesos caírem num som forte no chão.
Olhou-o novamente e falou mais uma vez o que já tinha sido avisado, mas agora seu tempo seria de uma semana para conseguir se acostumar com o trabalho de um carrasco sem ter compaixão ou problemas com as vísceras expostas, pois mesmo que não pudesse ver, ele podia sentir e sua imaginação poderia fazer com que ele sentisse a dor em si.
Recebeu trapos velhos para usar, pareciam molhados com alguma substância quente que endureceu alguns pedaços da roupa. Seu pai deu uma pequena risada e ele soube na hora que aquilo era sangue, provavelmente vindo de alguém que ele recém matou e assim seu pai confirmou, dizendo que o tempo em que ele esteve sofrendo com os pesos, ele estava matando um condenado para conseguir roupas para ele.
Raciocinando um pouco, deu a entender que ele passou mais de duas horas torturando alguma pessoa até conseguir retirar sua vida da pior forma que fosse e deu a ele suas roupas. Usava as roupas de uma pessoa que recém morreu sem ao menos ter tempo para um funeral decente ou um descanso de sua alma.
Ignace recebeu em mãos uma lâmina curva, parecia uma foice, mas era muito curva, como se fosse especializada em alguma coisa em especial, e certamente seriam pessoas.
Caminhou sendo arrastado pelo seu pai até uma cela pequena, lá tinha uma mulher nua que pouco se movia. Pensou ele que estivesse morta até ouvir uma pancada e o homem que o guiava dizendo para ela acordar. Logo uma voz feminina foi ouvida e um choro começou após.
Pegou a mão dele e como se não se importasse com a mulher pedindo clemência, ele colocou a lâmina na perna da mulher que agonizava de dor e cortou a pele na volta. A lâmina curvada era feita não para adentrar na carne e cortar, e sim, apenas para abrir uma fenda na pele.
Pensou que fosse só aquilo, mas não era, foi instruído a pegar a pele com as mãos, tentando cravar as unhas para melhor segurar e puxar para cima. Sem demora, pois a pele podia rasgar e assim deixar uma ardência, mas o objetivo era puxar com força para cima como se estivesse esfolando-a e assim, deixá-la para sofrer.
Estava de pé, com os braços presos acima da cabeça, obrigando a ficar de pé e sentir a dor agravada na perna. Para piorar a situação da garota, ela foi molestada pelo homem enquanto sofria.
Não conseguia mais ouvir aqueles sons, então entrou em posição fetal e se jogou para o lado, caindo em uma poça de sangue e gemendo. Ainda não conseguia fazer aqueles atos tão grotescos.
Foi dormir ali mesmo, com a mulher que teve descanso, podendo ser livre de ficar de pé e agora, podendo deitar no chão e não abusando mais de suas pernas. Ignace sabia que se ela sobrevivesse, não poderia mais andar ou teria dores atrozes em seus machucados e seria dependente de drogas para encobrir a dor.
Os sonhos foram horríveis. Possivelmente era graças a mentira e ao que passou pelo dia, mas acabou por sonhar com aquela besta cinzenta exterminando pessoas de qualquer forma, desde que sofressem antes de morrer.
Na madrugada, a mulher acordou e invés de demonstrar ódio, perguntou porque ele fazia aquilo e num súbito, como se já estivesse acordado, suando e com o coração palpitante respondeu que caso não fizesse, iria morrer nas mãos do próprio pai e nada podia fazer. Não enxergava e não podia ter compaixão com os outros.
Em meio a choros, a mulher respondeu para ele que deveria fugir assim que tivesse chance, permanecer sofrendo com aquilo e fazendo pessoas morrerem não era algo que ele realmente queria e não faria bem algum. Mesmo que se salvasse, aquele tempo ainda estaria gravado em sua mente.
No dia seguinte, só teria mais cinco dias para aprender a ser um homem cruel e sem medo de ferir o próximo de qualquer forma que fosse, a pedido da igreja ou de seu próprio senso de “justiça”.
A prova desse dia seria usar cortinas molhadas para um condenado engolir. Como sempre, seu pai, segurou a boca do homem e o ensinou a como fazer, colocando uma cortina na boca de um homem deitado e forçando-o a engolir até onde dava, quando ele não conseguia mais colocar na boca, seu pai disse para usar uma jarra de água que tinha ao lado e derramar no tecido, que ele seria engolido mais facilmente e daria um tempo para o homem respirar. Ajeitou e molhou como fora ordenado, e assim, o homem engoliu até ficar uma pontinha que fosse para fora de sua boca.
Pensando que viria algo pior a acontecer, seu pai o colocou para o lado e disse para trocarem de lugar, ele faria da próxima vez, então era bom prestar atenção.
Segurou com força aquele pedaço pequeno e puxou com toda sua força e velocidade toda a extensão da cortina para fora do corpo do homem. Líquidos que não continham sangue, mas era óbvio que continha vômito saíram junto da cortinha e era trabalho dele fazer novamente a engolir.
E assim foi feito, e no momento em que deveria retirar com força, ele fez e provocou assim, uma hemorragia no homem, que não parou de borbulhar sangue de sua boca e o seu pai falou que só poderia ser feito mais uma vez e aquele homem estaria morto. Não era o objetivo matá-lo, mas seria bom que ele aprendesse a conviver com a morte em um local de trabalho tão macabro.
Não conseguiu colocar na boca do homem de novo, sabendo que a morte o esperava e irado, seu pai deu um soco nos dentes do homem e o fez morrer asfixiado, engolindo os dentes enquanto o sangue escorria incessantemente, e depois pegou o próprio filho e o amarrou numa roda de madeira gigante. E lá ele ficaria da noite até seu último dia de vida.
Nada o ocorreu e isso foi estranho. Apenas a fadiga de ficar amarrado, mas nada de tão horrendo em seu corpo.
Colocado um saco em sua cabeça para que não pudessem ver seu rosto deformado, foi levado para o lado de fora, cruelmente empurrado escada acima e tendo seus dedos dos pés e das mãos sendo esmagados na escadaria, quebrando alguns.
Sentiu o sol batendo no saco que cobria seu rosto e teve um pouco de conforta, mas estava ainda nervoso. Podia ouvir pessoas se aglomerando e ele foi levado até um altar, foi levado rodando novamente e batendo os dedos machucados no piso até sair da igreja e subir num novo altar, feito de madeira.
Parou. Ouvia murmúrios até que um som que não sabia dizer exatamente de onde vinha ou de que instrumento era, soou e pode-se ouvir passos próximo a ele. Uma voz que não era familiar, mas aparentava ser de uma pessoa gorda, tinha um sotaque alemão carregado que começou a elogiar o padre chamando-o de “Excelência” e “Vossa Honra”. Palavras pomposas para algo humilhante que era aquele momento.
Rindo, o homem retirou o “capuz” de Ignace e bradou para todas as pessoas ouvirem que ele era parte de um grupo de filhos do demônio e muitos rogaram pragas para ele e outras chegaram a atirar objetos e pedras nele.
Um homem gritou o mais forte que pode da platéia, perguntando se aquele não era o filho do grande carrasco e foi respondido com um silêncio constrangedor de todos, até o homem que o humilhava ficou quieto, mas logo, sua irritante voz liberou uma risada e respondeu que aquele rapaz era algo que não mais o filho dele.
Escorreram lágrimas de seus olhos vazios e muitos acharam aquilo nojento e mostraram todo seu preconceito urrando para matarem-no de uma vez e assim o homem que estava perto dele, chamou o carrasco.
Veio com uma grande marreta em mãos, anunciada pelo homem que junto contou que iria ver os dotes certeiros e profissionais daquele homem. Não que precisasse, mas assim seria muito mais divertido.
Silêncio mortal. Algo estava para acontecer. Uma única batida e um único grito de dor. Nada mais e nada menos. Seu pai havia acertado com toda força seu braço esquerdo, quebrando seus ossos, mas sem causar fraturas expostas ou qualquer tipo de danificação que abriria a pele e assim o homem riu alto e muitas pessoas aplaudiram.
Caiu para frente como podia, deixando a cabeça baixa enquanto as amarras de seu braço quebrado pesavam e doíam mais que o normal.
Dando uns tapas em seu rosto para ver como ele estava, já declarou a todos que era para seguir e que foi um golpe de boa qualidade. Não tinha porque parar por motivos tão fracos como a dor. E uma segunda marretada foi dada em sua perna esquerda, deixando-a molenga e um grito estridente fugir de sua boca.
Não demorou e ele apenas estalou os dedos e uma terceira fora dada, agora em seu braço direito e aquela dor enorme fez rasgar os céus verbalmente. Logo era a vez da perna direita.
Estava sem fôlego de tanta dor, as pessoas olhavam para seu rosto abatido e aplaudiam o carrasco por ser tão profissional.
Batendo palmas, ele falou para todos que o melhor ia ser deixado para o final e enquanto divertia e deixava o público mais excitado, Ignace olhou para onde vinha as marretadas e suplicou para que seu pai tivesse consciência de seus atos e parasse com aquilo. Nada ocorreu e sem que todos prestassem atenção, a quarta marretada acertou exatamente em cima do joelho e o barulho foi tão alto que todos ficaram quietos e olharam para aquilo. O homem conseguiu quebrar a perna com tamanha força que danificou a roda, mas não abriu a pele do garoto, fazendo todos gritar a aplaudir. Mas o rapaz não gritou dessa vez, apenas desmaiou de dor.
Assim que acordou com um balde de água fria na cabeça, se viu novamente ainda naquele desespero mas não conseguia mover nenhum de seus membros com os ossos destroçados.
Seu pai pegou uma mão dele e ele sorriu solenemente, como se o perdoasse, mas não, era a felicidade por esperança de poder ser salvo. Algo horrível estava para acontecer e antes que pudesse se iludir mais, sentiu uma dor atroz ao ter seus membros dobrados como grandes pedaços de borrachas e amarrados na roda de madeira e pendurada numa estaca.
Parecia um amontoado de carne vermelha e roxa com uma cabeça feia e cabisbaixa enquanto os dias passavam e aos poucos, ia morrendo pelo sol escaldante pegando diretamente em seu corpo e a falta de nutrientes.
Era noite já quando caiu duro no chão e enfim acordou de um longo sono. Se levantou e sentou-se. Acariciou o rosto, como se esperasse estar novamente normal, mas a única mudança que fora notada, foi um som metálico que saia de seu peito a cada vez que se movimentava.
Pensava que fosse mais algum tipo de tortura de seu pai, então nada falou e permaneceu sentado, apenas esperando que alguém viesse e o puxasse, estrangulasse, amarrasse ou o que quer que fosse feito com aquela corrente quebrada.
Esperou por dias sentado e ninguém o vinha pegar ou agredir, logo, se levantou e foi tatear a algum local que pudesse fazer alguma coisa.
Não sentia fome, logo não precisava trabalhar para comer ou beber, seu sono era curto, pois nada fazia e pouco precisava descansar. A corrente já tinha sido associada a alguma espécie de tortura pelo fato dela estar grudada em seu corpo e provavelmente fora posta quando estava pendurado, a sorte é que estava desacordado.
Ninguém o esperava e nada tinha o que fazer, sentava-se e ficava dias nisso, não enxergava e as pessoas na sua volta também não o viam, o que o deixou isolado do mundo. No começo isso foi prazeroso, dava uma sensação de silêncio interno e nada o podia machucar ou o agredir verbalmente.
Ao decorrer dos dias, começou a se sentir solitário, parecia que aqueles momentos em que estava “sozinho no mundo” acabaram por formar uma incrível solidão. Começou a procurar alguém que conseguisse vê-lo.
Tentativa em vão. Passou dias a fio procurando por uma única pessoa que pudesse falar com ele. Estavam todos cegos por algum motivo? O censuravam após a humilhação para ver o que iria acontecer com ele? E aos poucos começou a ficar louco. Enlouquecendo por motivos criados em cima de uma paranóia que fora infligida em seu coração através da dor sentida quando vivo.
Vagava pelo vilarejo como se fosse uma alma penada e algumas pessoas pediram bênção do padre pois ouviam barulhos estranhos durante a noite e de dia encontravam marcas de como se alguém tivesse passado por ali. E logo um rumor do fantasma surgiu, assustando a todos. Inclusive o poderoso e imponente padre.
Ninguém sabia ao certo como expulsar aquele fantasma agourento que de tempos em tempos urrava de dor (muitos pensaram que fossem as almas dos condenados) e então a igreja, com todo o seu poder, chamou exorcistas para retirar a pobre alma que vagava a procura de amparo.
Muitos tentaram e nenhum chegou a fazer qualquer tipo de coisa com Ignace. Sacrificaram virgens, mataram animais e jogaram o sangue pela cidade, torturavam pessoas com o pensamento de que elas o invocaram. Já não se importava mais, mas ficava com uma sensação ruim em tudo aquilo ocorrer por causa dele. E nada podia ser feito. Não sabia o que fazer nem o que estava acontecendo.
Um homem alto, dono de uma comprida barba branca se ofereceu para ajudar de graça e sem pensar duas vezes, aceitaram seu trabalho. Aquele foi o dia em que o rapaz de mente confusa finalmente iria para outro lugar.
Vagava com uma queimação forte no peito, o barulho que antes vinha de uma comprida corrente agora vinha de um solene balançar de um pequeno pedaço. Era de tarde, começando a anoitecer, sentia o frio no corpo, mas pouco importava naquelas condições em que se encontrava. Até que o homem parou em sua frente.
Ouviu-se um barulho de como se alguém engolisse algo e um som não identificado, após um corpo caindo. Se assustou e sentiu que estava sendo ameaçado e logo se preparou para fugir. Tentando dialogar, o homem se apresentou e disse que o mandaria para um lugar melhor, mas teria que fazer rápido, ele estava num ponto crítico de sua própria existência.
Não conseguia acreditar que após tanto tempo uma pessoa conseguia vê-lo e finalmente, poder interagir com outro ser.Alegrando-o. Andou na direção do homem e então ouviu um desembainhar de espada e ficou em alerta. Aquele ser que o salvaria estava armado com uma arma branca, provavelmente não era um salvador.
Se viu correndo aleatoriamente para qualquer lugar na direção oposta do único que poderia acalmar seu espírito cansado e solitário. Mas não tinha escolha, não queria morrer.
Podia sentir os passos atrás de si e sabia que estava sendo perseguido. Talvez aquele homem fora contratado para matá-lo. Poderia ser uma escolha bonita, visto que não agüentava a própria presença e então parou e olhou.
Uma dor no peito o fez cair antes que pudesse dizer qualquer coisa.
Teve convulsões e asfixiou, vendo-se então a si mesmo. Conseguia enxergar e isso o fez sorrir...até ver seu rosto totalmente deformado e magro. Uma máscara de desespero cobriu seu rosto e então tornou a correr, mas não conseguia se afastar de si mesmo. Não podia fugir de quem ele era.
Numa tentativa de salvá-lo, o homem correu e empunhou sua arma para cima e desceu com força o cabo na testa de Ignace, sendo aparada por uma máscara e erguendo a cabeça e olhando para o homem, seu corpo se desfez.
Todas as famílias que já estavam em suas casas graças ao toque de recolher puderam ouvir um rugido alto e os clérigos que vieram ver o que tinha acontecido, viram o corpo do homem que ofereceu esforços sem que fosse necessário pagamento caído no chão. O demônio estava por perto.
Correram de volta para a igreja a fim de buscar salvação, mas as portas estavam fechadas, a fim de proteger aqueles que estavam lá dentro. O pânico foi então formado. Pessoas com medo não podiam sair de casa por ordem do Senhor e aqueles que faziam a guarda do lado de fora, temiam por suas vidas. Era um momento de vingança.
Formado uma besta de forma irregular, não parecia nenhum animal conhecido, mas era quadrúpede e tinha uma máscara que lembrava vagamente o rosto de um rinoceronte. Apenas isso. Uma espécie de exoesqueleto protegia o corpo (exceto por um grande furo que apareceu no centro de onde deveria ser a testa dele) enquanto em sua comprida cauda, pequenas estacas vermelhas ficavam apontadas para baixo de forma ameaçadora. Em seus olhos vazios podiam ser vistos e demonstravam uma ansiedade em conjunto de ódio. Mas era apenas uma forma insaciável.
Detonou o telhado do prédio e aguardou o som das pessoas correndo para poder mandar o próximo ataque. Permanecia sem ver e por isso, ainda era dependente dos sons e nada podia fazer parado. Sentia uma força maior em seu corpo e uma dor terrível em sua barriga.
“Hadou no Yon”, o homem deu sua posição no meio de um casal acompanhado de muitos filhos que corriam para se salvar do desabamento da casa, que acabou por levar o hollow junto. Era o que ele queria, pois o homem só teria um local para ir, acima dele para finalizar. E foi nesse momento que abocanhou o ombro dele, mas teve que soltar por causa de um empurrão de ar que bateu em sua máscara.
Sabor muito gostoso, precisava abocanhar de novo aquele corpo que agora tinha um braço debilitado pela mordida anterior. Passou a língua entre os lábios e partir novamente em direção ao inimigo.
Estava ele na frente da casa com o ombro pingando sangue e com sua espada em mãos enquanto o hollow tinha seu corpo machucado pelas telhas e pedaços da casa, mas nada o parava, correu insanamente em direção ao homem e abriu bem a boca, pronto para abocanhar a cabeça do inimigo e poder saborear sem problemas e sem sofrer mais. Mas ele revidou.
Tinha todo o peso da espada, que lembrava uma katana, em apenas um braço, mas conseguia mover normalmente, manuseando de uma lado e para o outro, mas certamente pesava nos músculos.
Cortando a parte superior da boca, onde deveria ser o lábio e levando a arcada dentária superior para longe. Foi apenas um ataque para fazer a besta cair.
Tombou para o lado com uma poça enorme de sangue que não cessava em escorrer. Rapidamente, para não dar brecha de um novo ataque, empunhou sua espada e a desceu com força para acabar com a criatura, mas ele usou a sua força física para se jogar para frente e penetrar o seu grande chifre no peito do homem que ficou encravado. Não podia ser comido e não conseguia se soltar com apenas um braço, tendo uma morte lenta e dolorosa.
Mais uma vez, caiu para o lado e ali adormeceu. Foi sua primeira transformação e a luta quase foi perdida. Não conseguia raciocinar direito, queria comer o corpo que estava em seu chifre, mas doía quando mordia por causa da perda de uma parte de sua boca, tornando assim impossível comer e torturante a fome que sentia.
Acordou com um estrondo do seu lado, era uma bola de fogo enorme que quase o acertou. Um homem como o que ainda estava em seu chifre estava em sua frente, só que no ar conjurando alguma coisa. Não tinha tempo, sabia que iria vir outro poder e então correu para a mesma floresta onde perdeu sua irmã.
Evitou prosseguir por causa dos traumas que tinha recebido por ali, até que recebeu nas costas a mesma bola de fogo e com um rugido, mordeu a perna do homem preso e começou a comê-lo, independente da dor que sentia ao mastigar, estava com fome e sendo atacado. E assim adentrou na floresta.
Não sabia exatamente para onde ir, então apenas correu desesperado em busca de algum local para se abrigar do humano de preto que o atacava suspenso no céu. E só então ele começou a pensar. Como ele conseguia? O que era aquele corpo? Porque fugia e porque tanta fome assim, do nada?
Chegou na mesma clareira onde estava sua irmã, perto de um lago com cachoeira, mas dessa vez não sentiu medo, pois tinha coisas mais importantes para se preocupar e se abrigou embaixo daquela grande parede de água que caia. Trancou a respiração e mastigou lentamente o homem. Mas algo inesperado aconteceu. O inimigo estava já na sua frente e uma bola de fogo passou zunindo do seu lado, escapando por pouco e tostando o chifre junto do cadáver.
Sem poder escapar, rugiu com o intuito de deixar o inimigo longe e pulou para fora, mas era exatamente o que ele esperava, mirou os dois dedos na testa do hollow e disparou um raio branco. Tudo parecia perdido.
Era um momento crucial.
Uma espécie de boca enorme se abriu em sua frente. Ela era escura (surpreendendo o guerreiro do céu) e assim que adentrou, se fechou. Onde pisava, uma massa nojenta grudava e endurecia em seus pés, formando um pequeno caminho para outra extremidade que parecia ser a mesma “boca” por onde adentrou.
Saiu e se viu no meio de um deserto. Um enorme deserto. Não era frio, nem quente. Seus pés passavam perfeitamente pela areia, afundando relativamente pouco apesar de seu grande porte e possivelmente, grande peso.
Estranhou a mudança de local como qualquer um faria. Onde estava seu atacante? Não importava. Estava agora a salvo, mas desconhecia a região e sem saber, isso era perigoso para ele, ainda mais por carregar um corpo de uma das comidas preferidas de sua espécie.
Caminhou por alguns momentos quando debaixo da areia, sobe uma criatura. Sabia que não era humano e, portanto, tomou uma atitude mais defensiva e alerta ao que viesse. Não demorou e o ser soltou uma pequena risada e começou a persuadir o iniciante naquele mundo a se aproximar. Ficou quieto “olhando” o inimigo, como se o encarasse por uns momentos.
Uma onda elétrica o acertou, mas conseguiu aparar por uns momentos, como se o desafiasse até que caiu no chão, se rendendo novamente a dor causada pelos outros. Perdia a consciência aos poucos enquanto sentia o movimento na areia do predador se aproximando quando tentou usar a mesma estratégia com o homem em seu grande chifre, jogando com todas suas forças, o grande peso do corpo e seu corno em direção ao peito inimigo. Penetrando perfeitamente. Mas algo novo ocorreu.
A criatura riu alto e então tocou na base da cabeça do “rinoceronte” e depois na ponta que saia em suas costas e chutou o rosto da criatura, mostrando que acertou o buraco da corrente e lhe falou que a falta de emoções o salvou daquela vez e que já sabia dos truques sujos que aquelas besta caída usava. Surrando-o mais uma vez.
Retirou o corpo do chifre e se jogou para trás, indo se alimentar dos restos mínimos do homem e deixando o hollow recém formado para trás.
Com certo esforço, se ergueu e aguardou uns momentos, abriu seus olhos, mas nada conseguiu ver ainda. Mesmo mudando de corpo e local, permanecia cego e nada podia fazer para melhorar sua condição. A fome persistia e estava num local desconhecido, seria mais difícil que o normal se alimentar, ainda mais se os inimigos todos fossem como aquele que recém aparecera.
Vagou por dias, comendo apenas areias e atacando violentamente árvores fossilizadas que encontrando no caminho, devorando-as logo após e mesmo assim sua barriga permanecia reclamando de fome.
Fechava quase um mês quando bateu de frente em uma carapaça sólida que se movimentou e fixou suas mãos em pegar a criatura. Era enorme e ele parecia um filhote em sua mão, pois coube perfeitamente com exceção de sua cauda que ficou para baixo. Os espinhos em sua cauda causavam nenhum tipo de machucado naquela colossal criatura.
Uma majestosa voz, ecoou por todo o local, perguntando o que ele pensava que estava fazendo. Muitos ficariam com medo, mas como não tinha noção de tamanho, apenas falou normalmente, respondendo que nada podia ver, logo, não enxergaria algo tão grande como ele.
Um gorgolejo sonoro foi ouvido, talvez fosse a risada daquele gigantesco animal e então o colocou no chão e arrancou um pedaço de seu próprio dedo, como se roesse uma grande unha e disse para que ele comesse como uma prova da consideração por não ter medo algum frente ao perigo eminente. Era nojento, mas nada podia fazer contra a dor sentida na barriga pela fome desenfreada. Comendo sem pensar duas vezes. Sentiu sua força crescendo.
Não mais estava cansado e a fome simplesmente diminuiu muito e agora, queria comer aquele gigante que o segurou pelo chifre e o jogou para longe assim que avançou. Sua força, como tinha aumentado fez com que não se machucasse tanto, mas fez uma onda de areia enorme.
Conseguiu entender agora que o melhor jeito de terminar com a própria fome era comendo qualquer coisa que se movesse por ali. Todo tipo de substancia comida a partir daqueles monstros poderia ser letal, mas a carne deles seria algo aproveitável, até mesmo a máscara que carregavam (mesmo que tivesse gosto de osso sujo).
Alguns meses se passaram e ele foi atacado por um grupo. Usou todas suas técnicas de combate para se defender, mas acabou por ser mordido até a morte. Era fraco demais para todos aqueles juntos.
Mas não morreu. Uma última centelha de força de vontade de viver o fez acordar, mas seu corpo começou a se juntar com a areia e com as criaturas que se alimentavam de seu grande corpo e assim, virou um gigante em vestes negras e uma gigantesca máscara branca com três furos no nariz.
Sua coordenação era limitada e seu peso o fez afundar na areia até que caísse em uma área escura, mas o buraco feito acima de sua cabeça deixava a luz lunar adentrar e bater em seu rosto, o acordando.
Estava atordoado pela queda e a única coisa que vinha em mente era “comer”. Nada mais e nada menos. Seu cérebro processava ações e pensamentos de forma lenta e quando conseguia raciocinar, se via já fazendo o que queria ou não deveria fazer, contrariando a si mesmo em alguns momentos.
Aquele mundo subterrâneo era um caos sem fim. Era terrível se movimentar. Volta e meia se via batendo em alguma daqueles grandes pilares de pedra que na verdade eram as árvores fossilizadas da superfície.
Quando esbarrava num ser como ele, não demorava e o pegava com a mão e colocava na boca, sem controle algum de qualidade. Pensamentos fracos até que se rendeu a isso e deixou que seu corpo movesse como bem quisesse.
Muitos anos se passaram até que, após comer uma girafa monstruosa, seu corpo se modificou, tendo uma aparência mais humana. Permanecia nas quatro patas, mas tinha dois troncos, uma para suportar as quatro patas e outro com as costelas para fora que seria um tronco mais humanóide e ali permaneceria com o rosto mascarado de um rinoceronte bruto.
Não sabia ao certo o que era aquilo, mas tentou comer o seu próprio braço para ver se tinha o mesmo gosto de antes. Completamente diferente e muito mais saboroso. A tentação foi grande em não terminar o auto canibalismo.
Após a mutilação de seu braço, esperou por uns momentos e sentiu que muitos se aproximavam. Não sabia exatamente como sentia isso, mas tinha certeza em seus instintos e logo apareceram várias criaturas. Estava cercado e um combate seria perfeito para testar o “novo corpo”.
Já tinha renascido três vezes, pensava agora que era algum tipo de redenção para seu espírito e algum dia poderia enxergar e ver o que o rodeava, pois por mais que andasse só encontrava areia e rochas.
O momento não era propício para parar e pensar em seus motivos egoístas, tinha que se preocupar com aqueles que chegaram e provavelmente não deixariam muito tempo para que se movesse e logo apontou a mão para um e disparou um raio de sua mão, detonando completamente o corpo do adversário e o outro solta um barulho pela boca e uma o chão começa a tremer.
Um rugido fora ouvido e ele já sabia o que era. Seu “ancestral”. Parecia que aquele inimigo controlava ou conseguia chamar de alguma forma aquele ser sem pensamentos movido por instinto e fome.
Seu braço fora jogado fora graças a um raio semelhante ao que tinha soltado a pouco pela mão e colocando a outra mão para segurar e diminuir o sangramento olhou para o local onde fora enviado o raio e então disparou outro em resposta. Não danificou muito o corpo adversário, só o fez ser jogado para trás.
Aproveitando a briga dos grandalhões, o hollow que chamou o Menos pulou para cima de Ignace que sentiu sua presença e se virou rapidamente dando uma chicotada forte no animal que foi batido em uma pedra e rapidamente perder a consciência. Ou apenas fingiu, visto que não teria chances caso se metesse no meio da briga entre o invocado e o Adjuncha recém formado.
O barulho foi apenas de explosão, nada de despedaçamento como esperava. Resolveu desferir diversos tipos de esferas liberadas pelo seu único braço na direção do animal a fim de abatê-lo. O sangue escorrendo começava a causar tonturas nele e assim vacilou um pouco, dando brecha para a criatura atirar outro raio em sua direção que fora desviada por pouco enquanto corria desengonçadamente para perto do corpo do que estava caído e começou a morder o corpo dele até tirar pedaço e somar o poder ao seu e assim, ajudando a curar o braço perdido.
Parando sua fonte de terror que era o braço sangrando, permaneceu atirando esferas de energia no inimigo, mas não ouviu o estouro e ficou alerta. Onde uma criatura tão grande foi parar?
Sentiu o vento em seu lado e saltou para trás, mas a mão da criatura era tão grande que o pegou em cheio, deixando apenas sua parte humana descoberta, quebrando alguns ossos de sua parte animalesca. Urrou de dor e em meio a lágrimas que escorriam pela máscara, mordeu a mão daquele que o apertava e não conseguia engolir de tanta dor, então apenas cuspiu fora os pedaços abocanhados, como se renegasse tal criatura.
Aquele que o segurava abriu a boca e carregou um Cero, não se importando com a própria mão desde que parasse de sentir aquelas mordidas profundas. E foi quando sentiu o perigo que olhou para seu atacante e disparou as esferas novamente, explodindo completamente a máscara do animal e assim, caindo para trás.
Aterrissou no corpo da criatura e teve seu corpo liberado pela morte do mesmo, deixando seu corpo receber ar novamente e sem pensar duas vezes, abocanhou o corpo da criatura.
Outros se aproximaram, mas ao ver que já tinha um dono que comia sozinho o corpo do Menos, se assustaram pelo fato de ter abatido aquele gigante sozinho e estar quieto ali comendo. Sua fome se desfazia a cada bocada e sentia seu poder crescendo, pois afinal, um Menos é composto por vários hollow e aquilo o ajudaria muito a crescer.
Assim que acabou com todo o corpo daquele animal naquele grande deserto onde era impossível ter coisa melhor para se fazer, saiu em busca de outra coisa para fazer. Já sentia que não precisava mais comer, mas a medida que andava, uma certa fome batia novamente em seu estômago. Aquilo era interminável.
Boatos em todos os lugares foram ouvidos de um adjuncha que venceu sozinho um Menos e dois hollows sem grandes danos até chegar ao conhecimento dos Allankars, uma raça superior ao que Ignace era (mesmo que desconhecesse a ordem de classes e de tudo que já passou, apenas sentia as mudanças no corpo e permanecia com seus pensamentos religiosos).
Não se passou uma semana que fosse e um homem apareceu na frente de Ignace, fazendo perguntas para ele. Não conseguiu demonstrar para o homem outra coisa além de total ignorância.
Um suspiro pode ser ouvido quando, brabo por demonstrar tamanha burrice sobre quem era, gritou palavras agressivas a fim de que aquele homem não o zoasse por sua falta de conhecimento. Completamente ignorado, até que foi explicado muitas coisas para ele, como o que era e como fazia tais coisas. Era um homem muito sábio. Ou simplesmente mais experiente.
Mostrou que conseguira passar por muitos desafios e problemas, mesmo sabendo tão pouco do que ocorria na sua volta até que foi instruído de fazer algo que nunca sequer passou em sua mente. Retirar a máscara.
Como se fosse um choque, pensou que aquilo era algum tipo de mentira, pois, no meio daquele deserto de canibais, não podia acreditar em tudo que ouvia e irado, o homem disse para olhá-lo e ver que ele já tinha retirado a própria máscara e com a voz séria respondeu que nada podia ver. Não deu muito dano psicológico no homem que apenas suspirou novamente e o instruiu a retirar a máscara para conseguir um poder maior e assim, obter um número entro os mais forte. Ignace era um hollow forte e interessante e não podia continuar sendo censurado aos olhos daqueles que comandavam o deserto do agora conhecido, Hueco Mundo.
Colocou uma mão no rosto e falou firmemente para o homem que caso algo desse errado, iria caçar a cabeça dele pela eternidade afora. E puxou. Estraçalhou completamente aquela casca que cobria sua face deformada
Seu corpo diminuiu, transformando-o num humano, com um pedaço da antiga máscara que agora é apenas uma arcada dentária superior (a mesma que fora perdida em combate pela primeira vez). Era alto e tinha um corpo musculoso mas com inúmeros cortes, dos anos que lutou incansavelmente pelo deserto. Surgiu uma enorme espada em sua mão esquerda e conseguia manipulá-la perfeitamente, mas como era pesada, preferia arrastá-la.
Visto tamanha feiúra nele, rasgou um pedaço de sua manta e deu para ele colocar na cintura e o levou em direção a um enorme castelo da qual Ignace, mesmo com todo seu tamanho, não conseguiu tocar na porta, mas a abriu facilmente.
Outros como ele se aproximaram e ele cortou um com um único golpe e foi logo aparado quando movimentou sua arma novamente. O homem disse que não permitiria aquilo, se estivesse com medo, era melhor se acalmar porque ali não continha inimigos, apenas Allankars que iriam fazer uma roupa para ele.
A demora em fazer uma roupa era tamanha que ele apenas pediu um sapato para aparentar ser maior e demonstrar o poder ameaçador e ia embora.
Aproximava-se da saída do local quando o homem que o ensinou aquilo tudo coloca em sua cabeça uma pirâmide de metal gigantesca. Não incomodava e talvez, fosse melhor para todos que não precisavam ver sua face horrenda.
Acostumou-se com aquilo e resolveu andar pelo castelo, visto que lá não precisava mais se preocupar com a vida ou a morte, relaxando um pouco (mesmo que de vez em quando tivesse uma crise e atacasse tudo). Procurava alguém que conseguisse segurar todo o seu poder e assim, seria leal até a eternidade aquela pessoa.
Allankar formado, agora nada tinha a fazer além de ficar mais forte, buscava treinos pesados e alguma coisa para fazer, e isso seria o começo da jornada do grande guerreiro Reikokuna Ignace Guillotin, filho de Sedlmeier Guillotin VI e de Phin Menguele.
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