A vida humana de Karasu foi curta. Nasceu na periferia de Londres e chamava-se Oscar Mountbatten. Seus pais, Lucius e Joan, eram muito apaixonados e o receberam com carinho, porém, tinham muito pouco dinheiro e faziam cada vez mais sacrifícios para criá-lo com um mínimo de saúde. Pelas condições precárias em que vivia, Oscar era um menino fraco, mas se mantinha com o possível e logo atingiu idade suficiente para ajudar o pai no trabalho, confeccionando artigos de couro artesanais. Sua maior diversão era contar suas “aventuras” para a mãe, quando voltava cansado do trabalho e as longas lições da escola, sempre exagerando um pouco para aumentar o suspense.
Pouco depois de fazer 10 anos, teve os primeiros sintomas de uma instabilidade que lentamente atingia sua mente: sua mãe morre, atropelada quando corria para parabenizá-lo na saída da loja do pai por manter ótimas notas, mesmo trabalhando no turno oposto; a cena, ocorrida na sua frente, deixa o garoto em um estado de choque que o faz correr até onde estava a mãe, de forma quase inconsciente, ignorando os adultos que tentavam afastá-lo daquele horror, protegê-lo; ele aproxima-se do corpo ensangüentado, seu corpo treme de ponta a ponta, ajoelha-se ao lado da mãe e beija sua testa com muito carinho. Seu pai aproxima-se por trás, e tenta puxá-lo para si, abraçá-lo, consolá-lo de alguma forma, mas o filho o afasta, movimentando no ar a faca que usava para cortar o couro, que estivera em seu bolso. Após alguns segundos de tensão em que todos observam a criança com a faca, o pequeno abaixa-se mais uma vez sobre o cadáver ainda quente da mãe e corta-lhe a orelha. Ele guarda o pequeno pedaço em um retalho de couro que possuía consigo, sem preocupar-se com o sangue que escorria da ferida que recém abrira, e sai do meio da multidão de observadores chocados com a atitude que tomara, dirigindo-se ao seu quarto.
Oscar faz um pequeno altar para a orelha cortada da mãe, trabalhando em couro e madeira uma cestinha que enche de grama, para formar uma superfície fofa e de aparência delicada onde colocá-la. Oscar torna-se mudo para todos, e tanto seu pai quanto os professores e colegas preocupam-se com o trauma que havia sofrido, pensando ser melhor dar tempo a ele, tratá-lo com o máximo de cuidado; o garoto não dizia nada, mesmo quando lhe dirigiam uma pergunta das mais simples, como o que gostaria de jantar; alimentava-se pouco, não sorria nunca. Uma noite, mais ou menos três meses após o acidente e nenhuma palavra proferida pelo garoto, Lucius, desesperado, vai procurá-lo em seu quarto com a intenção de não sair de lá até obter um desabafo do garoto. Enquanto aproxima-se do corredor, pode ouvir a voz de Oscar, alegre como nunca mais esperava ouvir; de fato, o volume de felicidade naquela voz chegava a ser anormal, em um tom que dava arrepios ao velho pai enquanto esse tentava entender o que dizia. Chegando a quase encostar o ouvido na porta, mas não se atrevendo a fazê-lo, com medo de que a madeira velha apenas encostada cedesse ao menor toque seu, percebe que o garoto falava de fatos absolutamente casuais, como se conversasse com alguém, contando histórias que vivera – e que o pai sabia não serem suas, mas meras invenções da imaginação de uma criança – naquele dia ou nos tempos recentes.
Perguntando-se se o filho havia recebido visitas sem que percebesse, mas principalmente muito aliviado de apensa poder ouvi-lo falar novamente, o pai abre a porta.
A visão que tem é uma que Lucius jamais esperava encontrar, acompanhada de um cheiro de podridão que já havia sentido levemente no quarto do garoto, mas nunca tão forte e nauseante, vindo obviamente de uma prateleira à frente do seu filho que se sentava com um sorriso que não podia ser descrito de outra forma que não psicótico. O objeto sobre a prateleira, que provavelmente estivera escondido durante as outras vezes em que esteve no quarto, era o mesmo que ele havia ordenado que a criança jogasse fora logo após a dolorosa morte de sua esposa, a orelha de Joan, cuidadosamente colocada em uma pequena cestinha, já semi-deteriorada.
- Olá papai, que bom que pode vir, mamãe estava com saudades. Faz dias que ela está querendo falar com você, mas ficou com medo de que não a aceitasse como está agora, e pediu pra que eu a escondesse de você. Eu estava contando a ela tudo o que fiz hoje.
Lucius estava pálido, chocado de ver o filho em uma situação muito pior justamente quando achou que ele estava superando. Seria por isso que não falava com mais ninguém? Agora falava apenas com aquela... coisa? E agia como se, de alguma maneira, conseguisse ouvi-la também. Rapidamente Lucius alcança o centro do pequeno quarto, estende a mão para o objeto repugnante, agarrando a cestinha com a mão direita e segurando o filho, que se debatia para mantê-lo longe da sua mãe, pois pressentia que o pai pretendia feri-la com a esquerda. Tranca a porta do quarto com o filho dentro e leva o objeto consigo em direção a um riacho próximo, tencionando jogá-lo lá. Em seu nervosismo, esquece-se de trancar a janela, pela qual a criança sai e corre em seu encalço, gritando que largasse sua mãe, chamando-o de assassino e pedindo por ajuda de todos que pudessem ouvi-lo. As poucas pessoas que ainda andavam por aquela região, conhecendo a história da criança, apenas o olhavam com expressões de pena, seguindo suas tarefas.
Correndo, com obstinação alucinada, consegue alcançar o pai que caminhava com passos tremidos à sua frente. Os dois disputam pela cesta próximos à beira do riacho, mas a força do homem adulto ainda era infinitamente maior, e ele acaba por desvencilhar-se da criança. Em uma última tentativa desesperada de salvar o pedaço restante de sua mãe, Oscar lança-se atrás dele, espichando os bracinhos e aproximando-se ao máximo da beira do riacho; aproxima-se demais e, tropeçando, cai na água. O pai atira-se atrás dele, mas em vão. Vasculha o riacho, desde onde havia caído o garoto até onde este desaguava em uma lagoa maior, e busca tanto quanto pode nessa lagoa. A única coisa que encontra, levada para a borda pela correnteza, é a orelha semi-desintegrada da esposa, já sem sua cestinha feita sob medida.
Oscar realmente havia morrido afogado, e seu corpo fora lançado pela correnteza em direção à lagoa, indo repousar em seu fundo, a poucos centímetros de onde parara sua cestinha. Não descobre o destino que teve seu pai, pois é logo encontrado por um shinigami e enviado á soul society.
No mundo espiritual, nasce como o filho único de uma família de nobres antiga, agora falidos (não adianta, o destino não quis que ele nadasse na grana) e longe do auge de sua glória. Não é preciso dizer que foi criado para ser o restaurador dessa glória, um peso com o qual ainda não sabe lidar, tendo medo de não ser forte e capaz o suficiente, mas é uma das razões pelas quais se esforça ao máximo em todas as missões e treinos aos quais é enviado.
Seus pais nesse mundo são Kouun Zyuugin, ex-shinigami aposentado por invalidez após perder o braço da katana, de quem herdou a cor da pele e dos cabelos e com quem aprendeu as primeiras noções da luta com espadas; e Kouun Hebishiruku, uma mulher de pele morena e olhos da cor dos do filho, sobre a qual ninguém sabia nada a respeito quando chegou na região e logo deixou Zyuugin apaixonado. Após o nascimento de Karasu, Hebishiruku desaparece novamente e jamais volta, deixando a criação da criança para o pai e os avós. Deixa também para trás a fita rosada com que prendia os longos cabelos negros cacheados, que passa a ser usada pelo filho quando esse também deixa seu cabelo crescer.
Passa bastante tempo de sua infância com os avós, que gostava de ouvir contarem histórias, o que logo o leva a gostar também de lê-las sozinho. Eles chamam-se Kouun Baishunfu e Kouun Aokin e foram ambos shinigamis no seu tempo, incentivando o pequeno Karasu com histórias de vitórias fantásticas e a proteção dos que deles precisam. Cresce de um bebê fofo para um jovem belíssimo, o que é sempre lembrado por seus avós, sua aparência de uma delicadeza atraente sendo apelativa não apenas ao sexo oposto.
Karasu é enviado à academia logo que tem idade, e é um dos primeiros da turma, sempre buscando ser o melhor. Nunca chegou a ter uma namorada, pois está sempre muito concentrado nos estudos, apesar de as suas colegas costumarem atirar-se sobre ele com freqüência (ele percebe, mas não considera importante), e mesmo com seus amigos não sai frequentemente, apenas quando esses insistem que não é certo ficar trancado em casa no ano novo ou em seu aniversário. Pela falta de costume, é muito fraco com bebida, o que lhe rendeu voltar para casa no ombro dos colegas em quase todas dessas ocasiões.
A pressão para que seja um shinigami exemplar torna-o obsessivo pelos estudos, fazendo com que Karasu seja incapaz de passar reto por uma biblioteca, ou mesmo um livro largado sobre qualquer superfície, sem ser impelido a pegá-lo e começar a ler; caso conheça alguém capaz de ensiná-lo algo que o deixará mais forte, fará de tudo para que essa pessoa concorde em passar a ele seus conhecimentos. O nervosismo e ansiedade também acabam por torná-lo impulsivo com seu cabelo. A qualquer momento, às vezes nas horas mais impróprias (especialmente quando alguma situação o deixa ansioso), desamarra a fita e o prende novamente com mais firmeza, tomando muito cuidado para manter reta e bem arrumada a fita da mãe. Gradua-se com mérito no tempo certo e dirige-se à sua bantai com o sonho de cumprir o desejo de seu pai e honrar o nome dos Kouun.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário